Projeto Arara Azul: da beira da extinção aos céus do Pantanal

Projeto Arara Azul: da beira da extinção aos céus do Pantanal

por Fábio Paschoal

Pantanal, 1989. A bióloga Neiva Guedes acompanhava um curso de conservação da natureza quando encontrou uma árvore repleta de aves. O bando era majestoso, composto por cerca de trinta indivíduos que coloriam a paisagem com um azul vibrante. Os olhos, negros, eram destacados por um anel amarelo de cor intensa e o bico era extremamente forte, capaz de quebrar a casca das mais duras sementes. Pela primeira vez na vida, Neiva se deparava com a maior arara do mundo, a arara-azul.

Mas aquela era uma cena rara. O desmatamento derrubava acuris e bocaiuvas, as palmeiras responsáveis pela produção das sementes que servem de alimento para arara-azul. O manduvi, árvore de cerne macio que abriga mais de 90% dos ninhos da espécie, dava lugar a pastos e plantações. Traficantes de animais escalavam as árvores que permaneciam de pé para pegar os filhotes e vendê-los, principalmente no exterior. Os animais eram transportados em caixas pequenas e superlotadas, sem água e sem comida. O estresse era grande e, na briga por espaço, as ararinhas acabavam mutiladas ou mortas. Algumas aves eram forçadas a consumir bebidas alcoólicas para se acalmar, enquanto outras recebiam um soco, para quebrar osso esterno e impossibilitá-las de cantar. A arara-azul estava à beira da extinção.

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Traficantes colocam os filhotes de arara-azul em caixas superlotadas. Segundo o 1º Relatório Nacional Sobre o Tráfico da Fauna Silvestre, elaborado pela Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais), de cada 10 animais capturados pelo tráfico 9 acabam morrendo – Foto: Neiva Guedes

Em 1990 Neiva iniciou o Projeto Arara Azul. Com o objetivo de manter populações viáveis da espécie em vida livre no seu habitat natural e promover a conservação da biodiversidade do Pantanal, a bióloga começou a mudar a história da espécie.

A arara-azul passou a ser minuciosamente estudada. Dados sobre a biologia e reprodução eram coletados diariamente, a saúde dos filhotes era monitorada, ninhos artificiais foram instalados para aumentar a quantidade de locais disponíveis para a postura de ovos, tábuas foram colocadas em ninhos naturais que apresentavam uma abertura muito grande, deixando os filhotes mais protegidos contra predadores e as intempéries do tempo. Em paralelo um trabalho de educação ambiental era desenvolvido nas escolas, informando às crianças das ameaças do desmatamento e do tráfico de animais. As pessoas passaram a ter orgulho das aves e informavam o projeto da localização de novos ninhos. O tráfico passou a ser quase inexistente.

Em 22 anos a população, que era de 1.500 indivíduos, chegou a 5000 e as araras-azuis voltaram a pintar os céus do Pantanal.

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Neiva Guedes, bióloga fundadora do Projeto Arara Azul e pesquisadora da Uniderp, mostra um ovo e um filhote de arara-azul com 10 dias no Pantanal- Foto: Eveline Guedes

Hoje, o monitoramento continua durante o ano inteiro. Na época de reprodução (julho a março) o trabalho é intensificado. O desenvolvimento dos filhotes é acompanhado por biólogos e veterinários que verificam os aspectos sanitários, anilham, colocam microchip e coletam amostras de material biológico e sangue para análise de DNA. O manejo dos ninhos, naturais e artificiais, é feito entre abril e junho. Todo o processo pode ser acompanhado pelos turistas que se hospedam no Refúgio Ecológico Caiman, onde está localizada a base do Projeto Arara Azul.

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Daphne Nardi, bióloga do Projeto Arara Azul, checa as condições de saúde de um filhote de arara-azul no Pantanal – Foto: Fábio Paschoal

 

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Kefany Ramalho, bióloga do Projeto Arara Azul, acompanha o desenvolvimento de um filhote que nasceu em um ninho artificial, no Pantanal – Foto: Fábio Paschoal

Mas há muito trabalho pela frente. É necessário que as populações da Amazônia (aproximadamente 500 indivíduos) e do Nordeste (aproximadamente 1000 indivíduos) sejam estudadas e que haja um monitoramento de longo prazo em todas as regiões do país onde a ave ocorre, para verificar se o crescimento da espécie é sustentável ou se está acontecendo somente pelas ações realizadas pelo projeto. Também é preciso uma fiscalização mais efetiva para controlar o tráfico, porque a espécie ainda é classificada como ameaçada de extinção pela lista vermelha da IUCN (União Internacional pela Conservação da Natureza na sigla em inglês) e pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Assim, os esforços do Projeto Arara Azul continuam para tentar mudar esse status.

Neiva segue otimista. Ela acredita que as regiões onde as araras-azuis se encontram podem ser beneficiadas pelo ecoturismo, que traz novas oportunidades de emprego para as pessoas da região, gera renda e ativa a economia local. “Creio que um dia a arara-azul sai da lista.”

 

www.portaldomeioambiente.org.br

Marcos Neris

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